ARTIGO – NÃO SERÁ MAIS COMO ANTES

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NÃO SERÁ MAIS COMO ANTES

Paulo Gastal Neto*

Neste período de pandemia, fase complicada das nossas vidas, procuramos nos agarrar a tudo que nos dê alguma esperança de futuro. Que pelo menos consigamos projetar, que em algum tempo, em algum momento, as coisas voltarão ao normal lá na frente e então teremos de volta a nossa maneira de viver, como era antes da chegada da chaga. Mas é só uma ilusão. A nossa vida já mudou e não será nunca mais como antes, pois o tempo não volta!

Não rara as vezes, quase atingimos o “fundo do poço emocional” e até mesmo chegamos a pensar em desistir de lutar. Nos conformando com a ideia de que os sonhados “dias melhores” não passam disso: sonhos!  E é exatamente neste sentido: esses chamados “dias melhores” poderão chegar no contexto global, mas individualmente, no âmago de cada um de nós, nunca mais isso acontecerá. Lamentavelmente.

É duro de constatar essa realidade que norteará a existência de cada um de nós daqui para a frente! E não tem volta. E várias são as razões para se acreditar nessa certeza. A principal delas são as perdas próximas que se encarregarão de dizer claramente que ‘quando tudo isso passar’, nada será como antes. As ausências dos nossos, que pereceram neste ano de 2020, em decorrência ou não do processo epidêmico, por si só já alterou nosso interior. A morte foi banalizada e não estamos preparados para isso. Ela não é mais uma exceção no nosso dia a dia. A morte passou a ser rotina e este fato colabora muito para alterações intra-emocionais em larga escala.

E mais: as doenças serão antecipadas em todos nós. Os traumas irão nos acompanhar para o restante das nossas vidas. O medo estará à espreita ao menor sintoma, espirro ou tosse. Sabe aquela música do Milton Nascimento? Nada será como antes! Ela dá uma ideia do que virá num futuro que já é logo ao amanhecer ou ali na hora seguinte. Tem uma estrofe: Sei que nada será como antes. Que notícias me dão dos amigos? Que notícias me dão de você? Sei que nada será como está. Amanhã ou depois de amanhã. Resistindo na boca da noite um gosto de sol. E é bem isso: e nossos amigos que morreram neste 2020? E aquela sequela? Aquele tio ou tia que se foi e que mesmo em idade avançada teriam atravessado o ano tranquilamente, pois nada tinham de grave? Aquele emprego perdido e que obrigou a uma reinvenção de emergência para a sobrevivência? O projeto de médio e longo prazos que nem sequer falaremos mais. A viagem sonhada e até programada, mas adiada, adiada e mais uma vez adiada e que nunca será como foi pensada. Chegar ao fim de 24 horas sem nenhuma sensação negativa passou a ser uma dádiva e um amém encerrar uma semana sem a morte de alguém! Não será como antes! Não. Não será nunca mais como antes.

*Radialista e Editor do site www.pelotas13horas.com.br