ARTIGO – HERMÍNIO, O CAMPO DOS TEUS SONHOS

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Hermes Rianelli – Hermínio – Foto: Arquivo Lobão

HERMÍNIO, O CAMPO DOS TEUS SONHOS 

Por Clayton Rocha

Quem foi Hermínio? Imagino a pergunta sendo feita  por jovens desportistas, e penso se é possível oferecer uma boa resposta sobre as jogadas de um craque que era, nos anos 60, uma unanimidade entre os cronistas esportivos. Antes de seguir escrevendo, assusto-me com os números, na medida em que também  me sinto envolvido pela força implacável do tempo. Afinal, eu também estava lá, eu fui testemunha dos fatos,  eu igualmente  pertenço a uma geração da qual alguns já se despedem. Escolho, então, com muito  cuidado, as melhores palavras que, 30 anos depois, têm a responsabilidade de definir a figura do craque e a do cidadão. Ele, Hermínio, merece o melhor. Pois Hermes Rianelli, lateral do Pelotas e quarto zagueiro do Inter, que chegou a formar dupla com Figueroa, foi um dos símbolos esportivos dos anos 60 e 70 no RS. Era uma figura impecável, um exemplo de líder dentro e fora do campo.

O seu vulto atlético entrando em campo era uma imagem forte que repassava  confiança e que assegurava, de antemão, espetáculo, técnica e bons resultados. Hermínio era uma marca registrada do E.C.Pelotas eletrizante daqueles anos 60, nos quais iniciei minha carreira jornalística, sempre cercado da amizade de craques e de figuras exemplares.

A sua morte, aos 54 anos, em Campinas, num bloco cirúrgico de hospital, durante um transplante de fígado, nos surpreende e nos comove. Porque é mais uma alegria que se vai do futebol. Como tantas que se foram noutros pés, agora, relembrados com saudade. Ele era  referência de um tempo, imagem viva da fibra no esporte e puro coração daquele time que ficou guardado na galeria de honra das nossas lembranças. Lá se vai Hermínio, um atleta da nossa época, rumo a lugares outros que talvez se assemelhem aos nossos campos reais, mas que, desde que possam contar com a sua  presença, já se constituem, sim, em campos dos nossos melhores sonhos. Alô Hermes Rianelli, o Pavilhão da Boca do Lobo te guarda no arrepio de uma emoção. Se a morte silencia a tua garra, ainda sobra o teu exemplo. Olha aqui, Hermínio: todas aquelas tuas jogadas  ainda vivem em nossa lembrança e é em nome delas que estamos a te oferecer, em poucas palavras, o sinal de nossa reverência.

Se me fosse possível ouvir, agora, neste instante, alguns símbolos de teu e de nosso tempo, num sinal de homenagem e num preito de gratidão, eu já sei o que eles diriam de ti. Se reuni-los, numa fração de segundos, fosse tarefa fácil, eu os reuniria em torno de teu nome. E sabes quem seriam os escolhidos?  Pois seriam os “teus iguais”. E diante da eventual curiosidade do leitor, sinto-me no dever de nominá-los, numa tarefa fácil, agradável e saudosista. Edgard Ronhelt, Vicente Gervini e Paulo Gastal Júnior. Oswaldo Rolla, Tenente José Avelino Pires da Fonseca, esse vulto maior chamado Galego; Dias e Celso do Farroupilha; Oswaldo Barbosa, Gióvio, Caçapava, João Borges, Pintinho e Edi Leges Peres do G. E. Brasil; dirigentes, técnicos e  craques, admiradores teus, e já pertencentes, a esta altura, a um outro cenário, a uma outra dimensão igual àquela onde já te encontras. Mais recentemente e ainda aqui conosco Flávio Gastaud e Luis Antônio de Mello Aleixo.

Por aqui, dentre os que permanecem, ainda pretendo trocar impressões com  alguns notáveis símbolos da bola que foram teus contemporâneos. Eles são os atletas dos  anos dourados do futebol que atendem pelos nomes de Paulinho Caramuru, Lelo, Wilson Carvalho, Noredim, Gilnei, Osmarino, Zequinha, Betinho, Piva, Serafim, Jara, Wálter da Silva, Leal, Walmir Louruz; Humberto Severo, Jara, Paraguaio, Adilson, Jocely, Moacir, Birinha e Oli. Eles são jogadores da “era Hermínio”. Imagens  vivas  do passado  que permaneceram e que ficaram retidas na lembrança de três torcidas, em três estádios, como se fossem fachos de luz de décadas vencidas. Referências vivas da “era Hermínio.” Testemunhas de uma época e inspiradores destas linhas escritas em tua memória. Eles também dirão a todos que a tua garra viverá para sempre na camiseta dos jogadores destes tempos.

Corre, corre firme pela lateral direita de teu velho estádio da Boca do Lobo, e vai em frente Hermínio, procurando descobrir as novas verdades. E toma  mais velocidade, avançando sempre, sem que precises respeitar a linha de fundo, pois ela já não existe mais. A partir de agora tudo será descoberta, aprendizado, recomeço. Apenas as preces, expressadas pelos teus afetos, te permitirão compreender  que já não tens mais limites físicos, amigo,  neste que  passa a ser  o  campo dos teus  sonhos.

*Ex-zagueiro do Pelotas, Coritiba, Internacional e São Paulo, Hermes Rianelli, o Hermínio, morreu no dia 12 de setembro de 1988. Ele chegou a atuar no Colorado ao lado de Carpegiani, Falcão, Valdomiro e outras feras.