ARTIGO – A NEGLIGÊNCIA COMO REGRA

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A NEGLIGÊNCIA COMO REGRA

Paulo Gastal Neto*

“Os idiotas vão tomar conta do mundo; não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos.”

                                  Nelson Rodrigues

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Maikon Correia é o pai da Kerollyn, que foi encontrada morta em um container. Ele disse à um repórter que procurou o Conselho Tutelar, diversas vezes, para relatar a situação vivida por ela e seus irmãos. Maikon, disse ainda aos conselheiros tutelares que a menina costumava pedir comida na casa de vizinhos e que vivia em total abandono. O Conselho Tutelar nada fez, ou seja, nem sequer iniciou o cumprimento de sua obrigação. A mãe, assassina da menina com diversas facadas, já havia sido denunciada por vizinhos para a polícia e nada aconteceu.
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Ex-funcionários da VoePass, companhia aérea responsável pelo avião que caiu em Vinhedo, no interior de São Paulo, denunciavam irregularidades e falta de manutenção nas aeronaves. Uma delas, inclusive, foi apelidada de “Maria da Fé”. O diretor-presidente do Sindicato Nacional dos Aeronautas, enfatizou que as reclamações sobre a empresa aumentaram depois da pandemia de Covid-19, em março de 2020. A jornalista e escritora Daniela Arbex revelou que voou no mesmo avião da VoePass um dia antes do acidente. No Instagram, na sexta-feira dia 9 de agosto, ela postou um vídeo no qual pessoas passavam mal de calor dentro da aeronave, que estava com o ar-condicionado desligado. A VoePass acumula pelo menos 150 processos na Justiça desde 2021 e quase 900 reclamações nos últimos 12 meses, e no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), tramitam pelo menos 150 processos contra a companhia aérea desde 2021. A maioria das ações consiste em pedidos de indenização por danos morais. No site Reclame Aqui, ferramenta utilizada pelos consumidores para expor opiniões sobre a experiência com determinada empresa ou serviço, foram registradas quase 500 chamadas nos últimos seis meses e quase 900 nos últimos 12 meses. O que foi feito pelas autoridades do setor? Nada.

Em julho, aqui no RS, Jordana Prass Hagemann de 33 anos, foi morta pelo marido. Ela deixou dois filhos, um de 11 e outro de 5 anos. Jordana era vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Fortaleza dos Valos, onde ocorreu o assassinato. Jordana tinha uma medida protetiva contra o marido desde março. Em junho, ele descumpriu a ordem ao ameaçar a mulher por mensagens. A Polícia Civil pediu pela prisão preventiva, mas a decisão judicial ainda não havia saído. Embromaram tanto que ela foi morta pelo marido. Quantos outros casos semelhantes aconteceram pelo Brasil a fora por negligência do judiciário? Dezenas, talvez centenas. Ou seja: mortes evitáveis.

Esses três recentes exemplos aconteceram em um espaço de poucos dias. Quantos outros equívocos em razão da negligência aconteceram país afora? O que está acontecendo?

Não é difícil a explicação: a falta de formação profissional e ética; o descompromisso com a sociedade; a péssima educação que é dedicada à grande maioria aos estudantes jovens seja nas séries inicias ou média; a ideologização de tudo; e um amontoado de instituições públicas recheadas de maus profissionais são responsáveis por um conjunto de ações que volta e meia formam a ‘tempestade perfeita’.

Com a colaboração das redes sociais para a dispersão intelectual aos menos aquinhoados de todos esses conceitos acima, a tendência é de piora do quadro. Mais crianças aparecerão mortas, mesmo com denúncias prévias. Outros aviões poderão cair em decorrência da negligência de órgãos responsáveis e mais mulheres serão assassinadas em função da distância abismal entre o judiciário e o mundo real. É a banalização da vida e das atitudes. É a irresponsabilidade tomando conta. Vamos dar uma volta no inferno e fazer umas paradas no caos. Boa viagem.

*Radialista e editor do www.pelotas13horas.com.br