ARTIGO – E QUEM SABE UM OUTRO ACESSO AO MAR?

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Desague das águas da Lagoa dos Patos no Oceano nos Molhes da Barra em Rio Grande. O mesmo não poderia ser feito no norte do estado, utilizando as diversas tecnologias? – Imagem: NASA

ARTIGO – E QUEM SABE UM OUTRO ACESSO AO MAR?

Paulo Gastal Neto*

A história nos mostra que a relação entre o homem e as cidades onde os com rios passam ao lado  faz parte de uma integração que nos remonta aos primórdios do crescimento das urbes. Essa interação é parte da logística dos transportes em diversas épocas, interação agrícola com o uso das águas, primórdios do saneamento, sustento alimentar e até mesmo o lazer. Tudo isso ao longo de diversos lugares e tempos. Essa é – portanto – uma relação – com muitas nuances culturais. Em síntese os rios viabilizaram as cidades, a vida delas e a até mesmo a evolução da própria civilização.

Os grandes conglomerados urbanos vivem hoje ameaçados, mesmo com obras fenomenais de contenção a cheias. Londres, por exemplo, segundo as autoridades hídricas está enfrentando alto ou médio risco de inundação, com mais de 1 milhão de londrinos vivendo em uma planície de inundação, mesmo que a cidade tenha construído um sistema gigante de defesa contra enchentes no rio Tâmisa. Porém em caso de chuvas e cheias repentinas elas podem deixar a desejar.

Na capital francesa aconteceu o famoso ‘grande dilúvio’ de 1910, que continua a ser o ponto de referência para os parisienses. Na ocasião, o rio Sena chegou a 8,62 m de elevação e marcas nas docas ainda indicam até hoje onde a água subiu. Nos tempos recentes, a última grande enchente a atingir a Paris foi em 1982, quando o Sena atingiu 6,15 metros. Em 2016 o nível dele atingiu 6 metros, próximo a seus níveis mais elevados em mais de 34 anos, resultando em medidas de segurança da cidade.

Neste ano tivemos até alagamento no deserto. Em Dubai. Chegou-se a dizer que era fruto de chuva artificial, mas um especialista afirmou que o que ocorreu foi falta de drenagem numa cidade que não está preparada para um grande volume de água.

Mas e a tecnologia? A ciência? O progresso? Para que servem? Ora, é só remontarmos as obras centenárias no Países Baixos: implementados há mais de 100 anos, os diques da Holanda, também chamados de diques de fecho, nada mais são que morros artificiais gigantescos que separam o mar da região dos Países Baixos, isolando a área de norte a sul e evitando enchentes no país. E isso poderia ser feito, tanto com a elevação permanente do dique que circula Pelotas, sendo até mesmo aproveitado para se construir uma nova via de acesso ao Laranjal, como também em Porto Alegre.

Aliás, ao contrário do que é dito pelos que ideologizam temas técnicos, a nova concepção do Porto e Avenida Mauá deverá incorporar um novo sistema de contenção de cheias com a arquibancada contemplativa do Guaíba. O sistema atual, que falhou, é de concreto armado, possui três metros de altura e outros três metros abaixo do nível do solo e não tinha manutenção. Construído entre 1971 e 1974 e com extensão de quase 2,7 mil metros, que serão substituídos por um novo sistema, com a implantação do novo projeto do Cais Mauá.

O projeto prevê que o piso entre os armazéns do Cais Mauá e o rio Guaíba seja elevado em 1,26 metro, na faixa de extensão ao longo da orla. Essa elevação teria a forma de uma arquibancada, com degraus para as pessoas poderem aproveitar momentos de lazer. E acima dessa elevação, o sistema de proteção seria completado com o dique móvel de proteção contra inundações. Com esses diques móveis em funcionamento, a altura total de proteção seria a mesma do Muro da Mauá, que só será derrubado após o novo sistema de proteção estiver concluído e testado.

Por outro lado falou-se numa ligação direta com o oceano, com elevações e sistema de bombas. Não seria a construção de uma passagem como foi falado durante o período da enchente e contestado imediatamente por ‘especialistas’ (sic). Seria sim  um sistema de drenagem por bombeamento. Porém, o que é triste na análise dos técnicos, é que em nenhum momento é levada em consideração as perdas humanas desta tragédia, as perdas patrimoniais, os bilhões necessários para as reconstruções, a queda da atividade econômica e o desgaste da saúde mental dos que passaram por tal momento.

Não, única e exclusivamente preocupam-se com as atividades ambientais, como se a vida do ser humano não fosse uma questão, também ambiental. O homem não sobrevive sem a evolução. O topo da cadeia exige a utilização de intermináveis soluções baseadas no constante incremento da obra humana, seja através da engenharia ou do próprio instinto de preservação. O fato de não buscar soluções alternativas para um fato que poderá se repetir revela o quanto o tempo se encarrega de remover o mau que causamos a nós mesmos.

*Radialista e editor do www.pelotas13horas.com.br